terça-feira, 8 de setembro de 2009

Ágata

O telefone toca embaixo da janela, por onde perpassa uma luz oblíqua e fraquinha, escondida pelas pesadas cortinas da sala. Toca e espanta os pardais que bicavam migalhas de pão no parapeito.
Da cozinha, limpando as mãos no avental, eis que surge à sala Dona Amábile, que meio sem paciência, afinal tem o almoço no fogo, atende o telefone.
- Pronto?
- Alô, bom dia, poderia falar com a Sra. Amábile, por gentileza?
- É ela, meu filho.
- Dona Amábile, é do veterinário. Preciso que a senhora venha o quanto antes à clínica. Realizamos todos os exames em seu gato e diagnosticamos um pequeno tumor na laringe, por isso o miado estranho.
- Meu filho, querido, deve haver algum engano. Deixei para o senhor uma gata, não um gato. Uma gata peluda e branquinha, lembra?
- Senhora, tenho certeza que não há engano algum. A senhora não trouxe uma fêmea e sim um macho e teremos que operá-lo. Preciso da autorização da senhora.
- Meu filho, moço... Como o senhor quer que eu autorize operar a gata se nem sabem reconhecer uma gata. E o laço de fita cor-de-rosa, o senhor não viu: cor-de-rosa, cor feminina! E ainda perguntam por que eu nunca a levei ao veterinário!...
- Senhora, sei que não deve ser fácil crer, mas a senhora não tem uma gata e sim um gato, não mais repetirei, com todo o respeito, mas essa insistência está se tornando enfadonha. Caso a senhora queira seu gato, ou sua gata, como a senhora preferir, saudável e miando, preciso que venha até o consultório autorizar a cirurgia.
- Mas ora! Com todo o respeito, meu senhor, eu vou até aí para trazer minha menina de volta! Gato, ora essa! O senhor me desculpe, mas ao que parece meu arroz está queimando. Preciso desligar. Passar bem.

Apagou o fogo, salvou o arroz, serviu o almoço, lavou a louça, entregou-se ao crochê, bebeu chá de camomila, passaram as horas. Passou o susto.
Agora a hipótese já não surpreendia. Surpreendente era que uma fêmea, solta no quintal durante quase 10 anos nunca lhe desse um filhote.
Ágata - nome escolhido para a rebenta que não lhe deu o esposo e que, ignorando a cacofonia, decidiu dar à gata - era um gato.
Olhou a pequena cama, na verdade um amontoado fofo de cobertores antigos, já descoloridos pelo tempo. Sentiu um aperto no peito.
Decidiu que o bichano, quando retornasse à casa, mereceria um novo lugar para convalescença.
Abriu a gaveta, estendeu os pequenos cobertores azuis, lembrança dos filhos pequenos, agora homens feitos.
Ao menos aproveitaria o enxoval.

Nenhum comentário:

Postar um comentário